terça-feira, 28 de junho de 2011

DISCIPLINA A BORDO

O Jornal Movimento, ao lado do Opinião e Pasquim, foi um importante órgão contra a ditadura militar. O jornalista Raimundo Pereira era o editor e contava com a participação de Fernando Henrique Cardoso e Chico Buarque de Holanda. Sua primeira edição foi em Julho de 1975 e a última em novembro de 1981. Diversos fatores nebulosos rodeiam o fim do jornal, mas a versão oficial é a de que problemas financeiros obrigaram a fechar as portas.

A matéria abaixo publicada no jornal Movimento falava sobre a censura imposta à primeira versão de Roque Santeiro e os desdobramentos do caso.

Regina Duarte e Francisco Cuoco:
Selva de Pedra
Parece que o recente episódio Roque Santeiro deixou algumas lições para muita gente. Graças à publicidade prévia que a novela tivera antes de sua suspensão, o fato criou um debate em torno de um dos redutos mais sagrados do lar brasileiro - a televisão - que certamente não pode ser considerado "cômodo". O desgaste que Roque Santeiro deixou no ar não será desfeito com muita facilidade, por mais novelas que entrem no horário. Para outros conflitantes, como a Globo, ficou a tarefa também nada cômoda de repor os milhares (dentre os tantos que fatura) de cruzeiros investidos na produção - embora o reempacotamento de Selva de Pedra (Janete Clair, 1972) sem pagar um tostão aos artistas já tenha dado uma pequena ajuda neste sentido.

Para evitar capítulos desagradáveis como esse, o Ministério da Justiça prepara-se para baixar portaria no setor exigindo que: 

1) o texto das novelas lhe seja submetido na íntegra, e não parceladamente como vem sendo até agora para a liberação; 
2) a gravação dos capítulos em videotape também vá na integra, quer dizer, do primeiro ao último, antes da liberação; 
3) só haja propaganda da telenovela depois de tudo - texto e gravações - liberado. 

Na guerra pelo horário nobre da família brasileira, a produção de uma telenovela é coisa complicada. Em geral o autor prepara um roteiro básico, escreve algumas dezenas de capítulos que são gravados (e liberados) e depois, de acordo com as estatísticas, vai encompridando esta passagem, cortando aquela, aumentando a participação de tal personagem, podando as asas daquele outro, abrindo ou diminuindo o leque de temas tratados conforme os acontecimentos que se sucedem no dia a dia da população. 

Armando Falcão:
ministro da Justiça em 1975
Se o sistema serve para espichar os glamorosos e lacrimejantes melodramas em torno dos quais têm-se centrado as preocupações da telenovela brasileira, por outro concede-lhe a possibilidade de uma invejável maleabilidade e reflexo da vida social do país (é verdade que nem sempre usada a fundo por seus autores) A reação foi imediata: Jorge Andrade, autor de Os Ossos do Barão, já declarou que considera impossível escrever - por exemplo -120 capítulos de uma só vez. O produtor Moacir Derinquém também expôs seu ponto de vista (ver a revista Amiga , nº 286): com os riscos de custo envolvidos, as telenovelas diminuirão seu tamanho para 40 capítulos. Pode-se acrescentar também às preocupações pelo tamanho, a preocupação pela qualidade; a medida do Ministério da Justiça bate o prego no exato momento em que autores e temas mais críticos vinham conseguindo reservar para si uma parcela significativa da produção no setor. Trata-se de uma questão "comercial": aumentando-se o risco financeiro num lado do setor, diminui em outro; as produtoras ficarão menos propensas a aceitar e suportar o que considerarem como "ousadias" da parte de seus empregados.

A lista de temas proibidos pelo Ministério da Justiça, que acompanha a minuta da portaria, de resto, deixa uma série de dúvidas no ar. Embora seu item mais retumbante seja o a), é difícil supor que ele venha ter alguma ressonância significativa junto às já tradicionalmente pacatas (desse ponto de vista) novelas de televisão. Nos outros itens é que estará o nó das questões - e das prováveis discussões que se levantarão em torno do assunto, particularmente nos itens e) e i). Definir o que seja um padrão moral ou consagrado" no país nunca foi tarefa muito fácil. Muito menos a de caracterizar o que "agrava" uma tensão social. Aqui a margem de manobra será grande - e não, evidentemente, da parte das produtoras. Quanto aos outros itens, conseguirão evitar que os personagens jamais passem do segundo uísque ou da primeira pinga - conforme o caso - e que qualquer enredo mais picante do que, por exemplo,o de A Moreninha, do escritor romântico Joaquim Manuel de Macedo, já seja considerado em empreendimento "arriscado" do ponto de vista empresarial.

As proibições - Da minuta da portaria do Ministério da Justiça sobre a nova regulamentação do processo de censura das telenovelas:

"Não serão liberadas as telenovelas quando a mensagem ou temática configurar:

a)   Propaganda de subversão da ordem, apresentando cenas de terrorismo ou guerrilha, ou ainda, de revolta com características técnicas de guerra revolucionária, com descrição de ações político-subversivas ou de resistência a medidas de preservação da ordem;
b)   preconceitos de religião, de raça ou de classe;
c)    exteriorização contrária à moral e aos bons costumes;
d)   desrespeito à lei, à autoridade pública, à disciplina escolar e á harmonia conjugal e familiar;
e)   exploração ou agravamento de antagonismo ou tensões sociais;
f)     manifestações de uso de entorpecentes ou drogas afins, bem como o uso imoderado de bebidas alcoólicas;
g)    cenas capazes de provocar reações de pânico ou horror, caracterizadas ou não por forte suspense;
h)   exploração do sexo ou vício, violência ou exacerbação de erotismo;
i)     motivação que possa perturbar, confundir ou abalar padrões morais ou consagrados no país".

Por Flávio Aguiar
Jornal Movimento
3/11/1975

2 comentários:

  1. Muito interessante!!!! Estou acompanhando de perto... Parabéns pelos blogs... Indico uma materinha que saiu no domingo na Folha Ilustrada em SP!!!! Passa lá no blog e veja... Aquele abraço!
    http://www.eternamenteregina.com/2011/06/na-folha-ilustrada-de-ontem.html

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  2. Olá Edison! Passei no blog e vi. Muito bacana a matéria.
    Obrigado por acompanhar o blog!

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